terça-feira, 6 de outubro de 2015

O CRAQUE E O OCASO

 Caboclo Orlando, nos anos 60

      Denominado de o "Esporte das Multidões", o futebol chega a ser uma das maiores paixões de nós brasileiros. Muito cedo, uma grande maioria dos nossos jovens, já procuram dar os seus primeiros passos nessa arte, seja no quintal de casa, terrenos baldios ou mesmo nos campinhos acanhados dessas povoações de meu Deus. 
    Quase todos, isto é, com raríssimas exceções, têm um sonho em mente: um dia vestir a camisa do clube local e brilhar como inúmeros ídolos que lhe serviram de espelho e motivação. A história de Orlando Santana de Carvalho é mais uma entre tantas nesse imenso território brasileiro.
    Membro de uma numerosa prole no vizinho município de Marapanim, aqui chegou ainda muito jovem, porém já sabia executar os primeiros chutes na bola, pois os irmãos mais velhos gostavam desse esporte, quando alguns deles até já atuavam nos clubes daquela cidade do Salgado. Orlando ao ser adotado pela conceituada família Vasconcelos, deixou sua terra natal e passou a morar definitivamente em Sta. Izabel, ainda na adolescência. Sua adaptação foi rápida na nova casa, pois sempre foi um menino de comportamento brando e responsável. Cedo aprendeu a profissão de sapateiro com o patriarca da família, ramo em que outros membros também dominavam. O tempo se encarregou de trazer ao garoto marapaniense, inúmeros colegas da então pequenina Sta. Izabel. Nas folgas eram as brincadeiras no improvisado campinho do fundo do quintal, em outro campinho ao lado da Capela local  -,além dos deliciosos banhos no igarapé chamado Jordão, que corre bem no fim do terreno onde morava.
   Certo dia, ali pelos anos 40, um dos dirigentes do Atlético Clube Izabelense, vendo aquele caboclinho meio introvertido, de canelas finas,  porém apresentando boa intimidade com a pelota  -,convidou-o a fazer um teste no Vermelhão. De cara, o técnico que era o professor Domingos, viu nele uma promessa para a zaga, mas o conservou por algum tempo na suplência, isto é, integrando o Segundo Quadro. Depois de adquirir uma certa experiência, Orlando era guindado a titular, como zagueiro-central, onde permaneceu defendendo as cores atleticanas por cerca de 20 longos anos. Nos anos 50, sua fase áurea, era ídolo de uma torcida que tinha toda confiança no seu magistral futebol  -,quando em várias batalhas, via-se esse jogador, neutralizar ou desarmar o atacante, com sua técnica, simplicidade e serenidade, mesmo quando aparecia como o último homem à entrada da grande área. Em sua brilhante e extensa carreira, arrebatou vários títulos e troféus para as cores vermelha e branca do nosso Izabelense. Formou em grandes equipes do A.C.I, onde brilharam igualmente o excelente arqueiro Quirica, o fabuloso centro-médio Pedro Tarzã, o goleador Orivaldo, o craque nacional Quarentinha, Vela Branca, Bito, dentre muitos outros. Pelo seu indiscutível talento , Orlando ainda chegou a treinar no Clube do Remo, ali pelos anos 50, levado que foi pelo então treinador do Vermelhão, professor Domingos, e onde recebeu elogios.
   Quando eu e meus jovens companheiros futebolistas dos anos 60 chegamos ao ninho do Vermelhão, ainda encontramos o veterano e lendário zagueiro, que ainda era conhecido nas rodas esportivas como Caboclo Orlando (cognome dado pelo suadoso mestre Silva), dando conta do recado, quando aparentemente já se aproximava dos 40 anos de idade. Tenho certeza de que todos nós, que tivemos o privilégio de atuar junto  a este verdadeiro ícone do nosso futebol, nos sentimo honrados e orgulhosos disso até hoje.
   Infelizmente, como na vida nem tudo são flores , depois de ter perdido o contato com meu velho companheiro por um longo tempo, ele chegava à minha residência na manhã de um certo domingo, quando sua aparência causou-me um misto de surpresa e compaixão. 
    Hoje aos 85 anos, sofrendo do Mal de Parkinson, artrose e operado da próstata,cuja cirurgia ainda o incomoda, quando tudo isso lhe dificulta a locomoção, além de  sua voz pouco audível, mal se consegue compreender as palavras. Ali estava à minha frente, não mais o vigoroso beque que conheci, aquele que fazia a torcida vibrar com suas "roubadas de bola", desmoralizando o atacante adversário  -, este grande ídolo do nosso futebol, vinha recorrer a um dos poucos amigos que lhe restaram, solicitando uma colaboração para sanar uma questão, onde segundo ele, fora logrado. Confesso que de pronto recorri às pessoas talhadas para o assunto e até tive boa receptividade. Porém ao lhe solicitar alguns documentos, notei que o meu companheiro talvez por um cochilo, possuia um recibo (passado em cartório), que pode prejudicar qualquer ação em sua defesa -,mesmo assim, solidarizei-me com o meu velho amigo, colocando-me à sua inteira disposição no que fosse possível.
   Depois de constatar sua real e desconfortante situação, algo fica martelando em minha mente : o futebol infelizmente tem dessas coisas: o atleta somente é ídolo e é ovacionado somente naquele momento do apogeu. Todos o aplaudem, todos lhe têm como herói. Porém sua história de fama e notoriedade se encerram, justamente quando ele coloca as suas surradas chuteiras em um prego ou na prateleira da triste e ingrata ilusão.
   O clube em que ele atuou por toda a sua juventude (o Atlético Clube Izabelense),  derramando esmeradamente o seu precioso suor (mesmo que amadoristicamente), também agoniza por falta de gestões que honrem os seus 91 anos de existência. Se hoje contasse com um necessário Departamento Jurídico, poderia retribuir através de um gesto justo e humanitário, as glórias e o futebol irretocável  -,assistindo a este grande craque do passado que proporcionou grandes alegrias àquelas cores, por tantos e tantos anos.
  
          

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