segunda-feira, 19 de março de 2018

NAQUELE TEMPO


    Os amigos que viveram ali pelos anos 50 devem lembrar muito bem do impagável Francelino. Uma minúscula figura de uns 1,40 m, massa muscular desavantajada -sóbrio- um ser humano brando, pacato, voz quase inaudível, de poucas palavras e residia quase em frente à Estação Ferroviária, (ao lado da Assembleia de Deus) com sua companheira e aparentava na época seus 50 anos. Fazia da arte pirotécnica o seu meio de vida, talvez o único artífice nessa profissão pelas redondezas e diga-se de passagem, seu trabalho era elogiado, quando se via em qualquer manifestação comemorativa, como os nossos Círios, comícios, festas de fim de ano, aniversários, enfim, aonde houvesse comemorações, lá estavam os famosos fogos do Francelino. Seu estabelecimento comercial ostentava no frontispício e com letras garrafais, "Foguetaria Toscana", abrigado em um chalé de porta e janela. 
    Como ainda existia o grande Mercado Municipal (onde hoje se encontra a Praça da Bandeira), cujo majestoso prédio constituía-se o ponto referencial para nossa gente, onde se via todos e de tudo, quase todos os dias. Minha turminha a maioria entre 8 e 10 anos, sempre brincávamos ali pelas redondezas e volta e meia nos aparecia aquele delicado senhor, retirava dos bolsos alguns pacotes de "estalinhos" ou outros foguetes menores e nos ofertava, sentíamos que aquilo lhe enchia a alma de contentamento, dado o seu semblante demonstrando felicidade e alegria. 
   Por outro lado, Francelino com aquela aparência tímida, seu físico minúsculo, a voz baixa, quase o desconhecíamos quando vez por outra aparecia nos cantos do velho Mercadão, a proferir um "discurso" único e breve, que só ele sabia propagar, bem como, o motivo daquela manifestação e assim a todos os pulmões ele repetia inúmeras vezes o bordão: "Cabôco cria vergonha na cara cabôco !.. Quem tá falando aqui é um correligionário de Magalhães Barata, cabôco!" Daí, saia para os outros cantos do prédio e depois para o obelisco da Praça, sempre repetindo o mesmo chavão -porém o que levava os passantes a parar e rirem, era o seu jeito de andar com o peito estufado e as pernas meio que retesadas, além dos gestos imitando um orador inflamado, numa sincronia perfeita. Algumas vezes figuras maldosas passavam-lhe talco usado em bilhar, no seu rosto, porém ele nem ligava e saia discretamente para continuar o seu despretensioso e hilário "showmício". A tarde já avançava e certamente o efeito etílico também diminuía, ele agora mais calmo sentava-se no banco da Praça e parecia que pouco a pouco voltava a ser o velho Francelino, aquele que presenteava as crianças com seus foguetinhos, com a brandura de um Papai Noel, mesmo fora de época. 
   Dez a quinze dias depois, ele repetia tudo de novo, da mesma forma, do mesmo jeito e no mesmo horário. Já quase noite, ele parecendo sóbrio, notava-se sua minúscula figura subindo a Rua Bragantina (hoje a Generalíssimo Deodoro), seu zigue-zague confundia-se com inúmeros buracos da artéria que lhe dificultavam mais ainda suas trôpegas passadas e apenas lhe favoreciam o trajeto, três ou quatro lâmpadas nos postes da iluminação pública, até chegar em sua casa.
     Anos depois soubemos do seu passamento, garanto que muitos sentiram, principalmente nós, aqueles meninos que sempre eram agraciados com generosos foguetinhos e saiam estourando-os numa explosão de contentamento. 
    Os dias de Círios, as Novenas, os verdadeiros comícios eleitorais, o Aniversário do Município, os 7 de Setembro, já não seriam iguais a dantes, pois faltavam os potentes rojões, os "foguetes-de-rabo" e as "chuvas-de-prata", fabricados por uma simples figura, o pequeno-grande Francelino. Ele que também fez parte de nossa infância.

    Resquiescat in pace. (Descanse em paz!)
    

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