quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

GENTE FINA É OUTRA COISA



      Em uma de minhas andanças pelo nosso apreciável e bucólico interior, ouvi um causo relatado pelo velho Elpídio, um dos moradores mais antigos da localidade, considerado uma espécie  de chefe comunitário. O cenário era a birosca do Zeferino, que ficava há dez passos do igarapé, onde o ramal e a ponte em estado de total abandono, muito dificultava a chegada  ao povoado. Era uma manhã invernosa de domingo, onde Elpídio e mais dois amigos aproveitavam para bebericar e jogar bilharito, cujo "troféu" era um litro de pinga, com direito a "repitota" caso o jogo chegasse ao empate. O som do aparelho teimava em repetir o inconfundível repertório de Reginaldo Rossi, do qual o proprietário era fã ardente e mais especificamente da música "Garçom".  Lá pelas tantas, o experiente Elpídio saiu-se com esta: -Argum de vocês lembra da Firmina, aquela uma, filha da cumadre Cota? Com o aceno positivo dos presentes, ele continuou: -Pois bem. É que coisa de um mês atrás, eu sai daqui pelas duas da madrugada, deixei a montaria lá na vila e peguei carona no "pula-pula" do cumpade Calixto, rumo à cidade pra falá com o prefeito. Às seis da manhã eu já estava em frente ao Palácio, crente que ia ser o premeiro a ser atindido . Quando deu de sete e meia, me mandaram entrá, assubir por uma iscada e aguardá numa pequena sala. Pra meu ispanto, ali já tava mais de 20 pessoa, se ispremendo num banco de pau, que mal cabia 10. Umas meia hora dispois, entra uma moça munto simpática, com um uniforme bonito, bem arrumada e óculo escuro. Ela colocou a elegante bolsa sobre a mesa, abriu a gaveta e começou a distribuir aqueles número. Quando cravei os óio pra cima dela, num tive dúvida : era ela mesmo, a Firmina aqui do povoado. Esbocei um aceno e ela apenas balbuciou um "bom dia", sem a menor intimidade, me entregando a úrtima ficha que tinha o númaro 28. Voltou pra sua mesa, e de lá deu ordem para que fosse obedecida a sequência das "armaldiçoada ficha" . Dispois, ligou o cumputadô, para em seguida se debruçar no telefone, em uma conversa que parecia (pra ela) munto agradável, e de vez em quando se afrouxava em risos e gargalhadas. Dai em diante contei mais de dez impalitozado, que passava por ela, cumprimentava com um beijinho e lá se iam falá com o homi, eles que nem ficha tinham. Nessas artura o relógio já marcava umas 11 e meia e as tripa vazia, já começaram a recramar por arguma coisa pra aliviar a fome. Desci, e no premeiro lancheiro da rua, fui logo pedindo dois tula e um copo de garapa. Depois de uns 20 minuto e agora já de barriga sastifeita, me aprescei pra vortar a bendita sala de ispera. Em lá chegando, não vi um só cristão mais ali, e logo pensei, o próximo deve ser eu. Uns dez minuto dispois, enchergo o zelador já varrendo o ambiente e me dirijo a ele perguntando sobre aquelas pessoa. Então ele mi respondeu: -Só deu pro homi atender até a ficha 15, o resto foi aconselhado voltar amanhã e tirar nova ficha, obedecendo a ordem de chegada. Confesso que nessa hora a desgraçada da úlcera me deu um beliscão da peste e eu munto fulo, jurei nunca mais botá os pé ali. O silêncio foi geral diante da triste conclusão de Elpídio. Porém o amigo Maneco se antecedeu e logo perguntou: -E a Firmina cumpade ? -Quando cheguei na porta de saída, ainda vi ela no carona de um carro luxuoso, me olhou e virou o rosto parecendo dizer: Xô caipira ! -Nem parece mais aquela que se escondia com agente, nas capoeirinha das redondezas -desabafou.
     A noite já começava a mostrar a cara e os grilos já ensaiavam os primeiros acordes de uma longa serenata. Num canto da birosca dois litros vazios e Zeferino conferia a pequena féria domingueira. Os três fregueses se despediram e lá se vão cambaleando, enfrentar a dita ponte prestes a ruir e o ramal lamacento que Elpídio tinha ido reclamar há pouco mais de 30 dias atrás, no Palácio Municipal e que não conseguiu, vencido pelo cansaço e a perversa burocracia da cidade grande. Havia 7 anos que o prefeito, ainda no primeiro mandato, prometeu reparar tudo e deixar a comunidade um brinco.
     Maneco que escorregou e quase despenca ao transpor a bendita ponte, gritou: -Num demora eles estão vindo por aqui de novo. Mas agora eles é que vão ter que implorá com nós, pra conseguir os  112 voto da comunidade. E a Firmina que nunca mais apareça por aqui, munto imbora a cumade Cota num mereça isso.  

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