quinta-feira, 20 de abril de 2017

A USINA DA COPA


      Acho que toda a turma da minha época deve se lembrar muito bem da velha e utilíssima usina elétrica. Eu particularmente devo guardar mais detalhes pois minha família residiu por longos anos, bem em frente, à cerca de 100 m, na então Av. Augusto Olímpio, hoje a Av. Pedro Constantino. Quando comecei me entender na vida, ali pelos anos 50, me acostumei com todo aquele ritual que começava por volta das 15 e encerrava religiosamente às 22 horas. O prédio que possuía um amplo salão de aproximadamente uns 150 m2, abrigava: a imensa caldeira, acoplada na parte posterior um sistema elétrico (gerador), além de outra engrenagem chamada "burrinho" que bombeava água do igarapé que passava aos fundos e arrefecia a grande fornalha. Dentro do terreno, uma imensa quantidade de lenha, que era conduzida através de um pequeno trole sobre trilhos, até a boca da caldeira, para a devida incineração, que após produzir um alto grau de calor e vaporização, movimentava todo aquele engenho . Às 18 horas saía da chaminé o primeiro longo apito anunciando a chegada da energia, para as poucas casas de uma cidade ainda modesta, que possuía aproximadamente duas mil pessoas. Os funcionários ou foguistas, eram o Sr. José e Claudio que se revesavam no dia a dia, além dos senhores Pedro Vidal e Assis Miranda que eram o chefe e o eletricista respectivamente. Durante o verão convivia-se com uma boa qualidade de iluminação, ao passo que no inverno tinha-se significativa queda energética face a umidade na lenha. Foram anos que convivi com a velha usina e o ritual de ver ligar a luz às 18 horas e fechar religiosamente às 22 horas, após o seu terceiro e último apito de aviso. A partir daquele horário ainda ouvia-se por alguns minutos um martelar seco das máquinas e depois o mergulhar profundo da cidade na negra escuridão , além de um silêncio sepulcral, que era quebrado vez por outra com o silvo de apito do Chico Matias, zeloso vigilante do Mercado Municipal. Porém na época invernosa, após o barulho da usina, ouvia-se apenas e insistentemente a "sinfonia" monótona de uma ou outra rã, à beira dos "lagos" das ruas ainda de chão batido. Não conheci ninguém da turma que não se alegrasse com a chegada da luz ao final da tarde, pois era o momento que íamos para praça ou correr na calçada do grande Mercadão, brincando de "pira se esconde". Enquanto os mais velhos ficavam em casa de portas e janelas abertas, sem a temeridade de serem agredidos ou assaltados. Outros escutavam pelo rádio, a novela-sucesso "O Direito de Nascer", pois a televisão ainda não existia no Brasil. Em nossa casa, como tínhamos um aparelho de som, amigos chegavam para ouvir músicas ou mesmo para dançar, sempre obedecendo o horário improrrogável da velha usina.
     Chegávamos em 1958 e o país contava os dias para chegar o mês de junho e respirava, sonhando com a Copa do Mundo que se realizaria na Suécia. Nossa maior decepção foi quando soubemos que os jogos seriam irradiados a partir das 13 horas. Porém exultamos quando um grande número de pessoas se reuniu e foi até ao prefeito municipal Sr. Francisco Nascimento, (mais conhecido como Camisinha) solicitar o funcionamento da velha usina em horário extra, ao que foram gentilmente atendidos. Só assim pudemos ouvir através das ondas do rádio, todas as emoções daquela inesquecível Copa em que o Brasil se tornou pela primeira vez Campeão do Mundo. Minha turma tinha em média 15 anos, e na última partida todos torcemos para que a energia fosse até de manhã, para comentarmos e revibrarmos os 2 gols de Pelé, 2 de Vavá e um de Zagalo, um verdadeiro passeio nos gringos, dentro do seu terreno numa emocionante e histórica conquista que somente foi possível vivenciar o momento, através da nossa velha usina, a Usina da Copa.
     A modernidade nos trouxe a energia diuturna e aposentaram a nossa usina elétrica e hoje em seu lugar está uma feira e sua ultrapassada e desengonçada caldeira,deve ter sido vendida para o ferro-velho. Mas ela nos fez passar um dos melhores momentos no futebol, nos deu a oportunidade de bradar aos quatro ventos: Brasil Campeão do Mundo! -pela primeira vez. Logo jamais existirá uma outra igual que tenha sido tão útil para os nossos pouco mais de 2000 desportistas da época .

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